Ele deu adeus ao crachá. Agora ajuda empresas a enfrentar a crise

"Esta é uma época de usar apenas água, sabão e tinta", recomenda Enéas Pestana (foto), ex-presidente do GPA, para quem os principais problemas das empresas são o alto endividamento e a perda de clientes
“Esta é uma época de usar apenas água, sabão e tinta”, recomenda Enéas Pestana (foto), ex-presidente do GPA, para quem os principais problemas das empresas são o alto endividamento e a perda de clientes

Ele é CEO da Máquina de Vendas, formada por Ricardo Eletro, Insinuante, Salfer, City Lar e Eletro Shopping, consultor da Leader e da BR Pharma, e membro do conselho de administração de gigantes do mercado brasileiro, como a JBS.

Bem que ele tentou dar adeus ao crachá e ficar fora da rotina da vida executiva, mas…

Com o aprofundamento da crise, os convites para ajudar empresas a enfrentar o aumento do endividamento e a queda de vendas levaram Enéas Pestana, 52 anos, com todas as atribuições citadas acima, a montar uma consultoria de gestão de negócios.

No final do ano passado, quando surgiu a ideia de criar a Enéas Pestana & Associados, ele sequer imaginava que os pedidos de socorro de empresas seriam tão volumosos.

Também não previa que as demandas de companhias com receita na casa de bilhões de reais viriam de diversos setores do varejo, não apenas de alimentos.

Afinal, ele tem uma história de 11 anos ao lado de Abílio Diniz no Grupo Pão de Açúcar, e de quatro anos como presidente da companhia. É quem estava o tempo todo ao lado de Abílio na disputa com o grupo francês Casino para ter o controle do GPA.

A história de Pestana como consultor começou há cerca de um ano em uma conversa com executivos do BTG Pactual, o banco de André Esteves.

O banco precisava de ajuda para reestruturar duas de suas empresas: a BR Pharma, uma das maiores redes de farmácias do país, com faturamento anual perto de R$ 4 bilhões, e a Leader, rede carioca especializada em vestuário e artigos para o lar com receita da ordem de R$ 1,4 bilhão por ano.

“Eles pediram minha ajuda. Só que eu queria sair da rotina da vida de executivo. Surgiu, então, a ideia de montar a consultoria”, diz Pestana.

A reestruturação das duas redes do BTG continua em andamento. Não é um trabalho fácil. A Leader está em um ramo do varejo que tem enfrentado forte retração nas vendas. A BR Pharma está com grande dificuldade para gerar caixa.

Em menos de um ano, Pestana já foi contratado também para organizar o processo de gestão da livraria Saraiva e da Zema, rede mineira especializada em móveis e eletrodomésticos, com receita anual da ordem de R$ 1,4 bilhão.

O que caracteriza todas essas empresas neste momento, especialmente as de varejo, diz ele, é a baixa geração de caixa e o alto nível de endividamento.

INSINUANTE, REDE QUE FAZ PARTE DA MÁQUINA DE VENDAS, EM REESTRUTURAÇÃO SOB O COMANDO DE PESTANA

“Uma empresa com boa gestão vai passar bem pela crise, pois vai correr mais do que outras do setor. Mas o cenário, na verdade, está ruim para todo mundo”, afirma.

O próprio Pestana se diz conservador na hora de fazer recomendações para as empresas em dificuldades financeiras.

“Aprendi muito cedo que uma empresa quebra por falta de caixa, não exatamente por falta de resultado. Portanto, uma empresa precisa manter nível de liquidez em caixa alto. Em época de crise, isso é ainda mais relevante”, diz.

Redes menores, especializadas em eletroeletrônicos, com faturamento anual entre R$ 600 milhões e R$ 700 milhões correm, na sua avaliação, o risco de quebrar.

“Esta é uma atividade que, implicitamente, refinancia capital de giro, vende parcelado e tem que descontar recebível para fazer a roda girar.”

Geralmente, diz ele, esse é um setor que tem prazo de estoque superior ao do fornecedor.

“Obrigatoriamente, a empresa precisa de refinanciamento. Se não tiver como descontar o recebível ou não tiver linha de crédito, vai ficar em situação bem complicada”, afirma.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

SOBRE APLICAÇÃO FINANCEIRA

Um pequeno ou um médio lojista deve aplicar em renda fixa. É hora de colocar as barbas de molho. Aí o empresário pensa, aplicando em renda fixa, “não vou conseguir o que eu pago pelo serviço de dívida”.

Mas não faz mal, paga um prêmiozinho e guarda o dinheiro porque, quanto mais a crise se aprofunda, mais os bancos recuam, e as empresas que, eventualmente, podem ter dificuldades, são aquelas que os bancos vão rejeitar. Isso porque o banco empresta dinheiro para empresas que não precisam de dinheiro.

SOBRE EMPRESA QUE JÁ SÃO DEVEDORAS

Se uma empresa está entrando naquela fase de não pagar impostos, é porque a situação dela já está grave.

Evidentemente, não sugiro fazer um negócio deste. Mas, se atrasou o recolhimento de impostos porque não tinha o que fazer, a sugestão é a empresa solicitar um parcelamento dos débitos, pois isso evita autuação e também sai da ilegalidade.

SOBRE AÇÕES PARA REFORÇAR O CAIXA

O que a empresa precisa, numa época como esta, é ganhar eficiência. Com menos vendas ou com o mesmo ritmo de vendas, precisa gerar mais caixa. Mais do que manter, é preciso aumentar a rentabilidade.

E, para isso, a empresa precisa ser extremamente rigorosa com controles de despesas.

Eu, normalmente, crio o que chamo de comitê de caixa. O chefe desse comitê de caixa é aquele cara que pega a chave do cofre e senta em cima.

É ele que tem autoridade para questionar. Não importa se a empresa tem a verba aprovada por orçamento, não importa se o diretor geral já aprovou o gasto.

Ele precisa sempre fazer a seguinte pergunta: precisa gastar esse dinheiro agora? Por quê? Precisa fazer um check list e existe toda uma metodologia para isso. A essência é: cada centavo tem de ser questionado.

SOBRE GANHO DE EFICIÊNCIA

Ganhar eficiência é a palavra de ordem. Em momentos de recessão, dificilmente você consegue ter aumento de margem bruta, porque, em geral, ao contrário, a venda fica mais cara.

Costumamos dizer: é preciso ser mais competitivo para trazer o cliente para a sua loja ou é preciso investir mais em comunicação. Como ganhar eficiência?

Não acredito em corte de despesas, acredito em controle de despesas e, controle de despesas se faz por orçamento, com metodologia, como a criação do comitê de caixa.

No fim do dia, todo o dinheiro novo que entra pelo ganho de eficiência vai para o cofre. Não gaste, não faça investimentos. Esta é uma época de gastar apenas água, sabão e tinta.

SOBRE AS AMEAÇAS AO SETOR DE VAREJO

O que ameaça o varejo é tudo aquilo capaz de afetar o mercado consumidor. Em geral, o principal indicador é o índice de desemprego, que está crescente.

Não estou muito otimista.  Acho que, com sorte, a economia pode começar a se recuperar no segundo semestre de 2017. Muitas empresas ainda vão quebrar.

SOBRE PEQUENOS SUPERMERCADISTAS E LOJAS DE VIZINHANÇA

Eles se favorecem pela tendência muito forte da busca do consumidor pela praticidade, conveniência. Agora, o grande, que nunca olhou muito para este mercado, o de loja de vizinhança, começa a competir diretamente com o pequeno.

No passado, com algumas exceções, os pequenos se aproveitavam da informalidade. No Brasil de hoje, não há mais espaço para a informalidade.

Existe o Sped, o e-Social, a nota fiscal paulista, o regime de substituição tributária. Agora, o que serve para o grande serve para o pequeno.

SOBRE O QUE É BÁSICO PARA ATUAR NO VAREJO

O básico é um bom sortimento, com produtos bem expostos, bom atendimento, pessoal muito bem treinado, disponibilidade de crédito. Isso vale para qualquer varejo. O abastecimento de uma loja precisa ser feito sem que haja rupturas.

SOBRE COMO AGIR EM GUERRA DE PREÇOS

O varejista sabe que quem determina preços é o mercado. Então, é preciso fazer pesquisa de preço nas regiões onde estão os concorrentes diretos. Uma hora você perde, outra você ganha. E se perder mais do que ganha, vai perder market share.

SOBRE A BAIXA QUALIDADE DA GESTÃO NO VAREJO

Estou no varejo há 25 anos, desde os tempos da Mesbla. Sou da época em que, muitas vezes, o gerente assinava um documento com a impressão digital.

A qualidade de gestão no varejo melhorou barbaridade. A qualidade da mão-de-obra, que sempre foi o painho feio no setor, melhorou.

No passado, quando a pessoa não estudava ou não arrumava um emprego, ia para o varejo. Hoje, para ser gerente de loja, em algumas redes, tem de ter formação completa.

Para ser caixa, é preciso ter pelo menos o segundo grau completo. O varejo é capaz hoje de atrair a moçada muito bem informada, com Faculdade de primeira linha, com MBA.

SOBRE A FALTA DE MÃO DE OBRA QUALIFICADA

No caso de grandes redes, não tem muita diferença do que tem lá fora. O problema no Brasil é que uma há falta dos chamados ‘eiros’, isto é, confeiteiros, padeiros, peixeiros, açougueiros. Essa mão de obra é difícil.

A gente treina um padeiro e dois meses depois ele vai para uma padaria. Hoje menos, mas havia uma época em que o setor perdia muita gente para a construção civil.

SOBRE ACESSO À TECNOLOGIA

O que acontece no país ainda é o pouco acesso à tecnologia por questão de custo. No caso das etiquetas de RFID (sigla em inglês para definir o método de identificação por rádio frequência), que o Pão de Açúcar já testava em 2000, ainda não estão implantadas porque o chip, que tem toda a informação de um produto, é caro.

Esse sistema daria enorme ganho de produtividade para o varejo, pois, com essa tecnologia, o varejista consegue monitorar o estoque, a compra do cliente, o que saiu da loja.

Isso muda a vida da gente. Imagina um produto ter um chip que, se você leva esse produto até a lixeira, ela abre e, se você coloca o produto no forno micro-ondas para esquentar, o forno já dá o tempo certo de cozimento.

Esse produto também pode estar conectado com a despensa e conversar com a geladeira. Essa é uma tecnologia que já existe fora do Brasil e que traz um ganho enorme de produtividade.

SOBRE CONCENTRAÇÃO NO VAREJO

Neste período de crise duvido que haja qualquer movimento de consolidação no varejo. Não há dinheiro para isso.

Após crise, pode voltar o movimento em alguns setores, como o de material de construção, um setor com poucas grandes redes.

No setor de alimentos também há muitas pequenas e médias empresas e, portanto, cabe alguma consolidação. Agora esse movimento será mais cirúrgico. Ninguém mais vai sair comprando qualquer coisa, como no passado.

Foto: Alex Silva/ Estadão Conteúdo

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