Como novas tecnologias podem arruinar grandes negócios

A expressão “disrupção” pode até soar como um anglicismo recente no vocabulário brasileiro. Mas a palavra já está nos dicionários de português há algum tempo e andava meio esquecida.

No Houaiss, o termo é definido como “fratura” ou “interrupção do curso normal de um processo”.

Há poucos anos pouco conhecido, o termo começou a circular na boca de empresários, especialistas em tecnologia e empreendedores.

O mérito é do americano Clayton M. Christensen, professor de Harvard, que o resgatou em uma série de artigos e livros sobre tecnologias ou inovações disruptivas.

Desde então,  ganhou um novo significado. Nos textos de Christensen, o termo virou um conceito: um salto de grande impacto em produtos e serviços.

A dinâmica observada pelo professor começa no interior dos grandes negócios que dominam algum setor de mercado. Essas empresas, geralmente, estão preocupadas em incrementar os seus próprios produtos – para vender mais e a preços mais altos. Essa forma de ação é chamada de inovações sustentáveis.

A disrupção ocorre quando uma empresa de menor porte desenvolve os mesmos produtos ou serviços da empresa líder. Só que de forma mais simples, a preços mais acessíveis e que acabam atingindo um público maior.

A entrada dessa nova tecnologia ou inovação inverte o jogo. As empresas que dominavam tradicionalmente o mercado ficam para trás e são substituídas pelas de menor porte.

Por isso, para ser uma inovação disruptiva não basta ser algo moderno ou novo.  É um produto que vai além pela capacidade de desestabilizar todo um mercado.

A Kodak já foi líder e hoje luta para se manter no mercado. Foto: ThinkStock

QUANDO DAVID DERROTA GOLIAS

Exemplos de como as tecnologias disruptivas podem virar a mesa não faltam. A trajetória da Kodak, fundada em 1888, ilustra bem essa transformação de mercado.

Em meados do século 20, a empresa americana dominava a produção e a comercialização de equipamentos fotográficos.

Em 1975, um funcionário da empresa desenvolveu a câmera digital. Na época, a Kodak decidiu não lançar a novidade comercialmente. A razão disso era proteger um de seus negócios mais lucrativos: a comercialização de filmes fotográficos.

Nesse meio tempo, outras empresas desenvolveram as máquinas digitais. E em algumas décadas, essa nova forma de fotografar se tornou acessível a grande parte da população.

No fim desse processo, as concorrentes ganharam o mercado.

Em 2005, a Kodak anunciou que estava deixando de vender câmeras com filmes. Dois anos depois, a empresa passou por uma grande reestruturação e demitiu 27 dos 64 mil funcionários.

Hoje, depois de um período de concordata, a célebre pioneira da fotografia batalha para tentar se reinventar com novos produtos e serviços.

A disrupção, portanto, não é apenas uma nova tecnologia que surge no mercado. Ela toma o espaço de algo que já existia. Muda a forma como as pessoas consomem. E faz com que empresas repensem seus modelos de negócios.

Processo semelhante sucedeu com a Blockbuster, a maior rede de locadoras dos Estados Unidos. O David que bateu nessa gigante foi o conteúdo streaming, particularmente o Netflix.

Fundada em 1997, como uma empresa que alugava filmes por correspondência, o Netflix começou apenas como uma pequena concorrente. A inovação disruptiva veio anos mais tarde quando os filmes começaram ser entregues por meio da internet – por preços mais acessíveis e para um grande número de pessoas.

Os conteúdos transferidos diretamente para os computadores modificaram não apenas a Blockbuster, mas todo o mercado de aluguel de fitas e DVDs.

Outra empresa que ficou para trás na corrida da disrupção foi a IBM. A percussora do armazenamento de dados por sistemas de cartões perfurados e que, durante muito tempo, foi a maior fornecedora dos mainframes – os grandes e primitivos computadores – não percebeu a mudança que estava prestes a acontecer mercado.

Como os principais clientes da IBM eram os governos, grandes varejistas e industriais, os executivos da empresa não perceberam uma necessidade imediata dos computadores menores e com menos capacidade de armazenamento.

Quando esses novos produtos chegaram no mercado, a empresa americana teve que correr atrás da concorrência para continuar como líder do mercado.

Blockbuster perdeu na batalha contra o streaming. Foto: ThinkStock

A HISTÓRIA PODE SE REPETIR

Uma pesquisa da feita pelo Global Center of Digital Business Transformation neste ano –uma iniciativa da Cisco e do Internetional Institute of Management  Development (IMD)– mostra que a disrupção digital pode eliminar 4 entre 10 empresas nos próximos cinco anos.

O relatório, batizado de Digital Vortex: How Digital Disruption is Redefining Industries (Furacão Digital: Como a Disrupção Digital está redefinindo as indústrias, em português) fez um levantamento com 941 empresas de 12 setores em 13 países, incluindo o Brasil.

Os resultados revelaram que existem grandes contradições dentro das companhias. Apesar de 75% dos executivos pesquisados reconhecerem o potencial das inovações disruptivas como uma forma de progresso, 45% das empresas acreditam que o tema não merece a atenção nas discussões dos altos níveis hierárquicos.

A pesquisa indica também que quase um terço das empresas está adotando uma abordagem de “esperar para ver o que vai acontecer”, ou seja, elas acreditam que terão tempo para seguir o exemplo das concorrentes mais bem sucedidas.

Dos setores analisados pelo estudo, as empresas de tecnologia, mídia e entretenimento, telecomunicações, serviços financeiros e de varejo são as que estão mais propensas a serem afetadas por inovações disruptivas.

Mais do que em outras épocas, essas mudanças podem ocorrer de forma mais rápida por causa das rupturas tecnológicas das startups e por negócios menores e com mais predisposição em desenvolverem soluções digitais.

COMO NÃO FICAR PARA TRÁS

Nos artigos de Clayton M. Christensen existe uma solução para as grandes empresas que não ficarem para trás na corrida pela inovação. E não tem nada haver com “esperar para ver o que vai acontecer”.

O professor de Harvard propõe em seus textos que as grandes empresas desenvolvam suas próprias inovações disruptivas – já que possuem tecnologia, capital humano e conhecimento necessário para isso.

Mas a grande questão é: como criar, dentro do próprio negócio, um produto que pode acabar com a empresa? (Um dilema enfrentado pela Kodak anos atrás).

A solução proposta Christensen para esse impasse é desenvolver essas inovações como uma unidade de negócios separada, com autonomia para desenvolver novos produtos e serviços.  Mesmo que eles não estejam de acordo com os planos da empresa para os próximos anos.

Diário do Comércio

Fotos: ThinkStock

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