As diferenças entre consumo e consumismo

O consumo é um termo estudado e debatido hoje em dia por diversas áreas do conhecimento. A economia, o marketing e até mesmo a biologia pesquisam o assunto. Cada um com sua lupa. Mas aqui o olhar que gostaria de imprimir é um dos menos usuais. É o consumo sob a luz da antropologia. Sendo que os principais pólos hoje no Brasil que analisam o consumo sob esses vieses cultural e antropológico estão no programa de mestrado e doutorado da ESPM/SP e na PUC-Rio.

O consumo é um elemento central e essencial à existência de qualquer sociedade moderna. É por meio do consumo que regemos nossa identidade, pois por meio das práticas de consumo é que dizemos para o mundo quem nós somos, quem nós não somos, quem gostaríamos de ser e por aí vai. Consumo é identidade. Consumo é cidadania, já dizia o antropólogo hoje radicado no México Nestór Garcia-Canclini.

E quando falamos de consumo aqui não estamos falando apenas do consumo de mercadorias ou bens materiais, pois consumimos modos de ser, consumimos moda, telenovelas, consumimos Instagram, entre outros bens simbólicos. Consumir significa se inscrever em imaginários que determinadas marcas nos inscrevem. Há ainda aqueles, hoje em dia, que são avessos ao consumo, que são anti-marcas, que só usam camiseta branca e roupas veganas. Oras, mas isso também é um tipo de consumo. O não-consumo é um tipo de consumo. Além do que, negar as marcas é, de certa forma, negar a nossa existência hoje no mundo que escolhemos para viver.

Recentemente vi uma matéria sobre um serviço de aluguel de iPhone para se usar na balada em apenas uma noite. Embora seja um ato que nos cause certa estranheza, não nos cabe nenhum julgamento de valor sobre ele. Se alguém aluga um aparelho de celular, seja lá qual for a intenção que ele tenha com isso, o ato por si só já é algo muito potente. O consumo é um sistema que classifica os produtos, mercadorias, bens e serviços. É o processo do consumo que atribui valor às coisas. Até mesmo dinheiro é algo que foi inventado um belo dia e que só faz sentido dentro de uma lógica cultural. O ato de consumir é algo modelado e modulado por um viés cultural e, fundamentalmente, social. O consumo é uma bússola que rege o nosso pertencimento à sociedade em que vivemos, disse certa vez o professor Everardo Rocha, da PUC-Rio.

Paralelo a isso, há uma tendência de jovens de periferia da cidade de São Paulo comprarem o Novo Mizuno Wave Creation que custa mais de 1.000 reais. E eles não apenas compram, mas um colega vai junto e compra outro de outra cor. Eles invertem um dos pés e saem da loja cada um com uma cor diferente nos pés. Por mais que esse ato possa soar como um certa estupidez ao nosso olhar, para esses jovens de perifa esse é um ato que carrega outros vários aspectos, muito representativos e muito reveladores dentro daquele clã em que ele vive. Nos caberia fazer algum tipo de pesquisa etnográfica para colher pistas e achados sobre esse comportamento nada-usual ao nosso olhar.

Recentemente estive em Berlim e fui conhecer o museu da Alemanha comunista, onde entramos em um ambiente exatamente como era viver do lado oriental, ou seja, como era viver em um ambiente sem marcas, sem capitalismo. Confesso que saí de lá com a seguinte questão me martelando: precisamos do capitalismo para sermos felizes? Precisamos do consumo de marcas para preencher algum tipo de incompletude que temos? Realmente não tem mais como imaginar nossas vidas sem iPhone, Instagram, Adidas, Coca-Cola, Google e Disney? Difícil reflexão pois todas essas coisas já fazem parte de nossa vida de forma irreversível. Mas é essa provocação que esse museu me deixou.

Por que escolhemos uma marca A, B ou C? Por que preferimos Apple a Samsung? Por que pedimos Coca e não Pepsi? Por que quando usamos uma calça da Diesel e realmente achamos que temos um certo poder, uma certa aura, e as pessoas tendem a nos perceber como pessoas diferentes? É nas ciências sociais, ou seja, na psicologia, na sociologia e na antropologia, onde tento beber na fonte e obter algum tipo de nitidez para entender esses critérios de escolha. E confesso que encontro respostas satisfatórias.

Há ainda aqueles que atribuem o consumo a um viés mais neurológico, vamos chamar assim. Ou seja, os cursos de neuromarketing, neuro-isso, neuro-aquilo, brotam em nossas timelines. Eu sou curioso, não resisto e clico nesses links. E quando leio vejo que, em 99% dos casos, não passa de um olhar da psicologia do consumo, ou seja, eu volto no tempo, são as minhas aulas de “comportamento do consumidor” com o professor Ernesto Giglio em 1998 durante a minha graduação na ESPM. Mas coloca-se esse magnético e sedutor prefixo “neuro” na frente para deixar a coisas mais sedutora e atrativa. E olha que isso atrai gente, hein? Um deles outro dia chegou a colocar como tópico inicial do curso o seguinte item: “Como funciona o cérebro?”. Eu gargalhei sozinho. Ao meu ver, em 99% dos casos, trata-se de algo muito irresponsável e que flerta com o charlatanismo. Desculpa, eu prefiro discutir questões do cérebro com médicos e não com marketeiros.

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